O Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros – CNC -, vem a público reafirmar que no dia 7 de agosto, dia em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos, temos grande responsabilidade de provocar a reflexão junto ás manas cineclubistas e aos companheiros cineclubistas sobre a presença das mulheres no movimento.

Num papo reto com o movimento é preciso ressaltar que a Lei Maria da Penha foi aprovada para dar proteção às mulheres em situação de violência doméstica em 2006 e a partir disso passou por algumas alterações. Nós temos um histórico de luta!

Vamos lembrar que do direito ao voto feminino à aprovação da Lei Maria da Penha, os movimentos de mulheres brasileiras promoveram mudanças na legislação e na cultura que passou por avanços ao longo dos anos. A lei é considerada uma legislação robusta e avançada em relação ao tema, mas ainda temos números altíssimos e crescente dessa violência ao longo do período de pandemia.

Noutro pequeno recorte da nossa trajetória podemos acrescentar que numa manhã de maio de 1928, a bióloga brasileira Bertha Lutz decidiu tomar um avião para sobrevoar a cidade do Rio de Janeiro. Bertha ocupava o cargo de secretária do Museu Nacional (uma das instituições de pesquisa de maior prestígio no Brasil), era a primeira mulher a assumir o posto, após  voltar da França, onde cursara faculdade. O voo daquela manhã fazia parte de seus planos de transpor as mobilizações inglesas para o Brasil. Seu avião salpicou a cidade com panfletos: “As mulheres já podem votar em trinta países e em um estado brasileiro. Por que não hão de votar em todo o Brasil?”.

Para a mídia tendenciosa, como sempre, o relato foi nomeado de exagero. Naquele início de século, feminismo era ainda um termo pouco conhecido por aqui. O pleito de Bertha (ela era filha do biólogo Adolfo Lutz, especialista em doenças tropicais) e de suas companheiras resultaria no Código eleitoral de 1932, o primeiro a assegurar direito ao voto às mulheres brasileiras — desde que fossem assalariadas e alfabetizadas. Marcaria também as origens do movimento feminista no país.

Hoje votamos e podemos ser votadas e no entanto somos a esmagadora minoria nos parlamentos e nos espaços de poder. Muitas vezes chegamos lá pelas mãos dos homens: a filha de, a irmã de, a esposa de… É uma provocação que está posta para a sociedade, para manas e manos e do movimento cineclubista.

Ao longo dos anos que se seguiram, as organizações de mulheres se expandiram e se diversificaram. Mudaram suas pautas prioritárias e os rostos de suas lideranças. Mudaram também suas formas de organização — da clandestinidade durante os anos de ditadura militar à proximidade de alguns grupos com o governo federal no início dos anos 2000.

No Brasil, coletivos se organizavam clandestinamente, e começava a surgir uma importante imprensa feminista. Pautas específicas, como o direito ao aborto seguro e o combate a violência doméstica, se misturavam a cobranças mais gerais, pelo fim da ditadura e pela redemocratização do país: “Pouco se fala nisso hoje em dia, mas as feministas foram as primeiras a ir para a rua durante a ditadura militar”,Maria Amelia Teles, a Amelinha. Uma das fundadoras da União de Mulheres do Município de São Paulo, Amelinha foi perseguida e torturada durante o regime militar.

“O movimento feminista brasileiro ao longo século XX era muito branco e intelectualizado”, resume a professora Celi Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e autora de “Uma História do Feminismo no Brasil” (Fundação Perseu Abramo/ 2003). “Hoje, vivemos a emergência do feminismo negro, do feminismo LBTIQIA+ e de grupos mais jovens. É um movimento muito rico e diverso”.

Tantos avanços e ainda morremos mais, ainda temos os menores salários para os mesmos postos de trabalhos, ainda somos as primeiras a perder o empregos na pandemia e assumir a sobrecarga dos cuidados da casa, dos idosos e das crianças em todo esse período de pandemia. E ali nesse espaço do lar vamos passar por todas as violências, pois ali também reside o nosso opressor, o nosso agressor. (Ou agressora porque o machismo é estrutural).

Avançando para um pouco mais, o movimento de mulheres acumulou conquistas e mudanças. O feminismo brasileiro chega a 2020 forte e diversificado:

“Há um número cada vez maior de grupos de jovens. E surgem ‘coletivas’, no feminino, que questionam inclusive a linguagem, repensando a forma de se comunicar”, conta Amelinha. Para Renata Prado, da Frente Nacional de Mulheres no Funk, a internet e as redes sociais foram grandes responsáveis por disseminar essas discussões: “Há uma consciência maior do que significa empoderamento feminino e da importância dessas pautas”, afirma. O fenômeno deu fôlego a grupos de mulheres que, hoje, se formam nas periferias ou longe dos grandes centros. Ela pondera, no entanto, que ainda falta que os trabalhos desses grupos ganhem destaque: “As mulheres das periferias falam sobre feminismo. Mas não são elas, ainda, que pautam o movimento”.

Celi Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e autora de “Uma História do Feminismo no Brasil” (Fundação Perseu Abramo/ 2003).

Algumas reflexões são importantes nesse momento para o movimento cineclubista e toda a sociedade:

-Onde estão as mulheres não Movimento Cineclubista? Quais lugares ocupam na equipe? Quais são os papéis que representam? Qual é o ângulo, o enquadramento? Como são retratadas nas telas? Quais são seus textos? Como são fotografadas?

Ainda no começo de 2019, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), divulgou um dos maiores estudos relacionados a presença das mulheres no Cinema Brasileiro. O ano analisado foi o de 2016, e os resultados foram assustadores: dos 142 longas-metragens lançados comercialmente naquele período, apenas 19,7% tinham sido dirigidos por mulheres (destas, 0% dirigido ou roteirizados por mulheres negras).

O silêncio e ausência das mulheres foram e continuam sendo reveladores da situação das mulheres.

Na mesma data, as profissionais ouvidas apontaram que a presença feminina estava cada vez maior, e que isto já começava a ser percebido de forma mais ampla a partir daquele mesmo ano. Algumas realizadoras também apontaram a importância das políticas públicas de incentivo especificas às profissionais da área para a maior quantidade de mulheres no setor. Entretanto, as ouvidas fizeram questão de deixar claro o quanto as mulheres ainda precisam lutar para conquistar o cenário de plena equidade.

Adriana Vasconcelos trabalha profissionalmente há cerca de 20 anos no cinema e só estreou em 2019, seu primeiro longa-metragem, com o filme Mãe. A diretora é uma figura-chave para apontar o quanto o panorama cinematográfico lida com a presença feminina ao longo dos anos e disse: “Eu não sou dessa geração que tem mais mulheres nos sets, com grupo e coletivos se formando. Quando entrei, me sentia uma estranha no ninho, era muito difícil dar créditos às mulheres, com a nossa figura sendo limitada a assistente ou a direção de documentários. Longas de ficção eram, essencialmente, feitos por homens”.

Não podemos nos esquecer a presença e a trajetória de Carmen Santos (1904-1952), escolhida para protagonizar Urutau (1919), a imigrante portuguesa Maria do Carmo escapa ao destino dos ateliês de costura, dos balcões dos magazines e se torna uma estrela de cinema.  Contudo, ela não se ajustaria aos limites do papel de musa sedutora e assumiu as rédeas de sua carreira e engajou-se incansavelmente na construção de uma cinematografia nacional. Atuou diretamente na realização de seus filmes, escolhendo projetos, contratando diretores, produzindo, estrelando e dirigindo filmes e companhias.

Pois bem, hoje o CNC, coloca a reflexão para o movimento: no iceberg da violência o primeiro sintoma sentido pelas mulheres (todas elas) começa com a invisibilização.

E a pergunta é: – Até quando?

Ao completar 15 anos da Lei Maria da Penha, o que temos a comemorar? Quais são os desafios? Quais os desafios para nós do movimento que temos nas mãos a possibilidades do filme e o debate estratégico da equidade de gênero na sociedade.

O voo daquela manhã da bióloga brasileira Bertha Lutz precisa nos remeter a novos vôos hoje, agora, já!

Pela vida das mulheres, pela cinemateca em chamas, pelas leis de incentivo à cultura, pelas leis emergenciais, pelas vidas brasileiras perdidas na pandemia e um basta aos retrocessos. Fora Bolsonaro e o seu projeto!

Nosso verbo é cineclubar!

Terezinha Lúcia de AvelarPresidenta do CNC- Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros

[email protected]

Belo Horizonte, 11 de agosto de 2021

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